Venderam a escola às empresas. Foi num dia em que ninguém deu por ela. Pela escola.

Venderam a escola às empresas. Foi num dia em que ninguém deu por ela. Pela escola.

Por: Dr. José Ilídio Torres

 

Ele é a Galp. O Lidl, o Continente, a EDP, mais as editoras de algibeira, que resgatam uns putos vencedores das Operações Triunfo e outros certames do género, editam umas historinhas infantis em nome deles, e os moços e moças vão de violinha às costas às escolas vender livrinhos, cantando a canção da água, ou dos animaizinhos, que são muito nossos amigos.

Se neste último caso ainda fica o livro para memória futura, no caso dos joguinhos e similares, oferecidos pelas marcas, aquilo de que falamos é de um apelo claro ao consumo, disfarce-se ele ou não de propósitos ecológicos ou ambientais.

As crianças são um público-alvo apetecível. Depois de jogarem várias horas o joguinho que o Lidl ofereceu e até enviou promotores vestidos a rigor para o ensinar, já têm na retina a piscar em néon forte aquela cor azulada e amarela, que da próxima vez que a mãe quiser ir ao supermercado, há-de ser àquele e não outro, senão sai birra.

Depois são os cupões e os cromos para colecionar, que mediante um valor em compras, darão a ganhar peluches fofinhos, tão cheios de graça e encantos mil.

Que façam isso dentro de portas, estou como o outro, agora entrarem pelas portas escancaradas dos agrupamentos de escolas, é a meu ver um crime sem castigo.

Andam os professores a falar de uma sociedade sustentável, sem os vícios do consumo desenfreado, a educar para uma política de reciclagem, de rosto ambiental, para virem depois, disfarçados de bons samaritanos, os business-men das marcas poluir a cabecinha dos anjinhos.

Digo, invariavelmente que a minha turma não participa nesses ardis, mas depois, “- Coitadinhas das criancinhas, que toda a escola vai jogar e os pobrezinhos não”, quando não levo por tabela dos próprios colegas com aquela boca arejada de “ - Lá estás tu com essa mania de ser do contra”, que depois engasga quando é para dizer, mas não sobra coragem “ - Meu comuna sindicalista, tens a mania”.

Por acaso tenho. Tenho a mania de ser cara, e não ir com todos como as outras, chame-me ou não Maria.

Dizem-me que ainda há umas contrapartidas para os agrupamentos, uma espécie de comissãozinha… Não posso afirmar, pois, a mim nunca ninguém me untou as mãozinhas nem faço parte de nenhuma direção.

Há uns anos, já o Desporto Escolar, através das Escolas de Referência Desportiva, começou a abrir nas suas premissas a porta aos patrocinadores, um pouco à semelhança daquilo que se faz nos States.

É como se não pudéssemos escapar desta sociedade capitalista, e não houvesse alternativa. Mas há.

Há a alternativa de subir às árvores e romper os joelhos, de abrir a tola do Joãozinho com uma pedra que não acertou no alvo e depois se alojou na sua testa generosa.

Há a alternativa de jogar à bola e o «gordo» só jogar se for o dono da bola. À macaca, ao elástico e ao «e-vai-alho».

Tenho pena dos putos de hoje. As partes do corpo que mais exercício fazem são os polegares, em horas consecutivas de «fortnite», e outras odisseias virtuais.

Como pais, cuidamos ao pormenor que não se magoem, que não sejam vítimas de bullying, que não levem uma sapatada no rabo do professor, mesmo quando são mal educados e não deixam trabalhar quem quer.

Cuidamos que não fiquem traumatizados porque alguém lhes chamou “perneta”, “trinca-espinhas” ou “monte de banhas”.

Não pense o leitor que fiquei no tempo da outra senhora, antes pelo contrário, sou aberto às tecnologias como instrumento privilegiado de aprendizagem, mas no lugar certo, na hora e contextos apropriados.

As crianças têm que viver plenamente a sua liberdade, têm que cair e levantar, perceber que na estrada se tem que andar com cuidado, e que o campo de jogos para onde se vai de bicicleta, é já ali ao lado, mesmo que fique do outro lado da aldeia ou da vila.

Colocamos os nossos filhos numa redoma, não de vidro, que senão também pode partir, de aço inox, e castramos a sua juventude.

Pela vida fora não perceberão uma metáfora, uma ironia e serão os melhores amigos dos patrões.

Quando a namorada ou mulher os deixar virão chorar para a mãezinha, deitando a cabecinha enfeitada por duas belas hastes no seu colo protetor.

O pai barafustará da cozinha que são todas umas galdérias e abrirá mais uma Sagres com os dentes.

Não saberão abraçar porque nunca lamberam uma lágrima, nunca se sentiram na merda e tiveram que se levantar sozinhos, que remédio.

Serão estes os primeiros obreiros da violência doméstica, do racismo e de tantos outros cancros sociais, porque ninguém lhes ensinou a domesticar as frustrações ou o valor incomensurável de um NÃO.

Andamos a criar uma geração de totós, viciados no consumo e nas marcas, fiéis seguidores de «youtubers» duvidosos, e que acham normal a violência no namoro.

Se houver inferno, e o chifrudo nos aguardar enxofrado para pagarmos os nossos pecados, que não seja patrocinado pela Vulcano ou pela Galp Energy…

Estou pronto para as mais engenhosas sevícias, mas por favor, sem marcas.

Sem marcas...