O TINDER DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

O TINDER DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Por: Drª Clara Paredes de Castro

 

 

O TINDER DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Vamos falar da mobilidade por doença? Mas assim de forma leve, humorística e suave e vinda de quem não é docente e está a tentar entender o que se passa… Sem dramas, que para drama já basta a palavra doença e a falta de mobilidade ok?

 

Então é assim. Estou doente, em recuperação ou sou cuidador. É natural que por estes fatores deva haver um regime de exceção que me permita estar mais perto da minha residência ou local de tratamento. Concordam? Até aqui tudo bem... São cerca de 8.000 docentes nesta situação. Depois vêm os abusos. Claro, amigos estamos em Portugal e não há “regimezinho” de exceção que não seja “esbichado” como costela de churrasco. Ora, perante alguns abusos de avaliação, vai de alterar o estado das coisas para haver mais equidade. Até aqui tudo muito bem. Detetamos irregularidades, tentamos corrigir. A diante. Como corrigir? Fácil! Como não conseguimos bem definir um critério melhor voltemos ao google maps. Ora passamos de circunferência para linha reta… 50km está bom? Parece-vos um bom raio? O raio que o parta! Se é uma circunferência não tem sentido nenhuma feita a compasso e que atrasa o passo de muitas famílias. Se é uma reta também não será “cor-reta”! Negociação para cá e para lá e, de mapa na mão, lá houve um recuo reduzindo a área geográfica… Mas calma! Há ainda que fazer a distinção. Os docentes dos Quadros de Agrupamento não podem manifestar preferência por nenhuma escola que fique a menos de 20km, medidos em linha reta e da sede do concelho onde se situa a escola de provimento. Os docentes de Quadro de Zona Pedagógica podem concorrer a todos as escolas num raio de 50 km da sede do concelho de residência ou local de tratamento… Ufa! Já estão cansados? Calma que há mais! Há ainda a lista! O despacho que determina as doenças incapacitantes. Ou seja, tenho de estar doente, dentro da doença da lista, estar dentro ou fora dos tais quilómetros e a escola tem de ter espaço para mim. Como assim ter espaço para mim? O diretor tem de ter pelo menos 6 horas letivas no grupo de recrutamento. Não tem?! Olha que azar, conduz (se conseguires), mais uns quilómetros e pode ser que na escola seguinte tenhas sorte! Ou é de mim, ou fica difícil para todos aqueles que precisam de ver reconhecido o direito à mobilidade de o terem? Ou porque estão constrangidos pela distância ou pela capacidade de acolhimento das escolas… Ai e tal… tem de ser… por causa dos abusos! Voltemos aí então!! Diz o Ministério da Educação que 18% dos casos atuais de mobilidade acontecem entre escolas do mesmo concelho. Ora, colocar isso como “uma não possibilidade” não reduziria esses 18% sem afetar os restantes? E fiscalizar? Afinal a quem cabe a fiscalização da mobilidade por doença? A quem a dá amigos!! É o Ministério que tem de reforçar a fiscalização para evitar abusos e não reduzir as regras da mobilidade ao ponto de já não haver abusos, porque já nem vai haver exceções! É claro que há escolas que tem bastantes docentes em mobilidade por doença, talvez porque os professores estejam em áreas de forte densidade populacional e ainda porque, ao contrário do que o Ministério da Educação pensa, os professores e os seus familiares também envelhecem e adoecem! Condicionar o acesso por regras ditadas administrativamente, é não ter em conta as particularidades das doenças de cada um e da situação de cada escola ou região. Por exemplo, para um invisual que não necessita de cuidados médicos permanentes, está salvaguardada a sua posição? Não. Pode acontecer um docente invisual não ter lugar numa escola perto da sua residência, porque o diretor não tem horas para o grupo que ele leciona e terá de se sujeitar a ir para uma escola onde haja vaga. Aiiii… então a escola inclusiva não tem entrada no diploma da mobilidade por doença?! E a responsabilidade de tudo isto? Com quem fica? É passar a responsabilidade disto para as mãos dos médicos. É que para aceder a este direito os professores já tem de ter um atestado que comprova a doença incapacitante e também um atestado da necessidade de deslocação para efeitos dos tratamentos médicos que têm de ser prestados. Muito bem! Mas confiemos nos médicos que as passam que eles saberão o que escrevem. Depois, há um limite pra acolher estes docentes? Como se faz? Ahh…pelo atestado de incapacidade multiusos! Depois pela idade...olha, paciência, quem mandou o teu pai só ter feito o registo de nascimento 5 dias depois de teres nascido?! E os que sobram? Vamos alargando até chegar aos tais 50km. E a medição é justa? Se em vez de medirem do portão da frente da sede do agrupamento que fica a 19km e 900 metros posso pedir para medirem desde o portão das traseiras que fica a 20km e 500 metros?

 

Diz o Ministro da Educação que estas alterações são uma tentativa de "match entre a vontade dos professores" e a disponibilidade da escola. Ora esta veia de Santo António casamenteiro, vestido de Tinder, está muito mal-amanhada! Ou bem que temos de rezar para a coisa dar certo, ou criar uma aplicação para receber notificações das escolas que nos escolhem porque fazemos um par perfeito! Acresce a tudo isto o timing! Não seria muito mais eficaz realizar um concurso extraordinário de professores, permitindo a todos os docentes a possibilidade de obter lugar na Mobilidade Interna e só depois alterar o diploma da mobilidade por doença? É que já se adivinha o que por aí vem. Há que lembrar que muitos destes professores acabam até por ter períodos de baixa ao longo do ano. Com estas alterações, as baixas serão eventualmente aumentadas e a falta de professores que já temos vai crescer inevitavelmente, ou seja, resolvemos um problema de fiscalização criando um problema de colocação!

 

A Mobilidade por Doença deve ser transparente e escrutinada, deve ser rigorosa, mas o que não pode ser NUNCA é causadora de dificuldades a quem diariamente já sofre com a sua doença ou com a doença dos que mais ama. Quem começa a manifestar sinais preocupantes de doença é a própria tutela, com dificuldades auditivas severas na auscultação da comunidade docente e manifestações claras de um autismo, que a distancia da realidade dura e quotidiana das nossas escolas.

 

Clara Paredes Castro