Como (não) resolver a falta de Professores

Como (não) resolver a falta de Professores

Por: Professor Paulo Guinote

 

 

 

O ano lectivo que está a terminar foi marcado, a par da “normalização” da pandemia, pela inscrição da “falta de professores” no imaginário colectivo. O problema, sendo real, não tem sido apresentado da forma mais correcta para a opinião pública, seja quanto às origens ou às soluções para o resolver. E isso pode ser decisivo quando se tornar mais aberto o debate sobre essas soluções para um futuro mais ou menos próximo, pois parece existir uma “agenda” relativa à revisão do(s) concurso(s) de recrutamento de professores, bem como das qualificações para a docência, que assentam em argumentos falsos.

 

Antes de mais, comecemos de forma breve pela origem do problema. A falta de professores não é de hoje, nem é algo imprevisível. Mesmo antes da pandemia já se verificava a falta de docentes, em especial para substituições, mas não só, e isso deveu-se ao modo como foi feita a gestão dos recursos humanos na Educação durante os últimos 15 a 20 anos, menorizando e desgastando em excesso os que estavam e estão na carreira e precarizando os que foram sendo chamados a suprir necessidades temporárias.

 

Para não se alongar a análise, irei assinalar apenas três momentos simbólicos da forma como os professores foram sempre menorizados e a profissão docente desvalorizada simbolicamente e proletarizada em termos materiais.

 

Em 2007, o novo Estatuto da Carreira Docente, da lavra de Maria de Lurdes Rodrigues, concretizou uma política de prolongamento da carreira (criação de novos escalões intermédios) e de implementação de obstáculos à progressão (de início, a questão dos professores titulares e depois a permanências das quotas para acesso aos 5.º e 7.º escalões), que, em conjunto com os dois congelamentos dessa mesma progressão, fez com que dezenas de milhar de professores vissem o seu horizonte profissional alongado mais de uma década, mesmo depois da “recuperação” de uma parte mínima desse tempo.

 

Em 2014, a implementação por Nuno Crato da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC), legislada mais não aplicada desde 2007, criou uma desnecessária situação de conflito com os candidatos à docência, ainda não vinculados. O ambiente levou a que muitos – a começar pelos que se negaram a realizá-la - considerassem a mudança de opções em termos profissionais e não voltassem a candidatar-se ou a aceitar as condições precárias em que se desenrolou a chamada Bolsa de Contratação de Escola.

 

Já com Tiago Brandão Rodrigues como ministro, mas por acção da secretária de Estado Alexandra Leitão, no verão de 2017 foram mudadas as regras do concurso de mobilidade interna, retirando do concurso aqueles horários que fossem considerados “incompletos” porque, por exemplo, pudessem corresponder a uma ausência de longa duração de um docente com redução do horário lectivo. O que implicou que milhares de professores se considerassem lesados, pois esses horários só surgiriam a concurso mais tarde e permitindo “ultrapassagens” em relação à lista ordenada original dos candidatos. Esta medida, combinada com as regras draconianas de contabilização das horas e dias de serviço, tornou ainda mais precárias as condições dos professores contratados e ainda menos atractiva a substituição de docentes, com o ano lectivo já iniciado, em especial quando isso implica deslocações de centenas de quilómetros.

 

Durante os anos da pandemia, com a possibilidade do ensino à distância, alguns destes problemas foram maquilhados, pois houve quem aceitasse substituições de curta ou média duração, porque poderia leccionar a partir do seu domicílio e assim conseguia controlar os encargos financeiros, mas logo que se voltou ao ensino presencial pleno, a situação criada até 2019 tornou-se mais dramática, até porque – como seria de prever facilmente – a classe docente envelheceu, também foi atingida pela pandemia e muitas são as pessoas que ficaram com sequelas ou mais vulneráveis a outro tipo de doenças.

 

E tornou-se claro que a “racionalidade” ou “boa governança” tinha ajudado a uma tempestade quase perfeita, na qual a cada vez mais professores de carreira com necessidade de baixa médica se juntou o desinteresse de muita gente qualificada profissionalmente para a docência, se deslocar diariamente dezenas de quilómetros ou alugar alojamento quando a deslocação era da ordem das centenas de quilómetros, porque isso pura e simplesmente nem sequer dava saldo positivo nas contas pessoais.

 

A solução para a situação actual não passa por formações em “via rápida” de docentes, pela reformulação das habilitações para aceder à docência ou pelo reforço dos poderes dos órgãos de gestão para proceder a uma espécie de “ajustes directos” sem consulta pública prévia (leia-se, concursos). Os concursos já andam a ser suficientemente desregulados há uma década e o país não é tão grande que, com os meios digitais disponíveis, seja aceitável estar sempre a sublinhar a sua “centralização”.

 

O que há a fazer poderia ser bem simples, se não enfrentasse os preconceitos e teimosia da tutela e de alguma opinião publicada.

 

Em primeiro lugar, procurar que as condições de trabalho de quem está na carreira, não sejam cada vez mais tóxicas e mudem de forma que a maioria das pessoas acima dos 55-60 anos não continue em situação de burnout, depressão ou completa desmotivação, apenas esperando pelo momento em que possa sair com alguma dignidade financeira (há quem ache que uma aposentação de 1500 euros ao fim de 40 anos de serviço qualificado é muito dinheiro). O fim das quotas para a progressão seria a medida mais evidente, mas longe de ser a única, porque a falta de processos democráticos nas organizações escolares tem degradado irremediavelmente o ambiente das salas de professores ou “ecossistemas escolares”, na nova linguagem dos especialistas.

 

Em complemento, é essencial criar condições para que os candidatos à contratação não andem, no mesmo ano, a saltitar entre escolas para completar horários ou a ter de voltar às reservas de recrutamento, mal regressa a pessoa que estava a substituir. As poupanças do sistema que aliou a lógica do “mais com menos” (Crato) à “boa governança” (Leitão) deu maus resultados e há que o reconhecer e mudar o “paradigma”, como tanto agora se diz.

 

Anunciam-se “negociações” para breve. É bom que as organizações sindicais se mostrem firmes perante pressões, chantagens ou seduções e não repitam erros do passado. Porque a razão da sua existência é defender os que afirmam representar.

Paulo Guinote