A tecnologia digital na promoção de abordagens STEM: algumas ideias para refletir

A tecnologia digital na promoção de abordagens STEM: algumas ideias para refletir

Por: Elisa Saraiva

Professora de Física e Química (AE D. Maria II)

Embaixadora Digital (CFAEVNF)

 

 

 

Desde as simulações computacionais, aos laboratórios online/virtuais, passando pelos jogos e estratégias de gamificação ou mesmo o recurso à realidade virtual, as várias tecnologias, aplicações ou recursos digitais podem munir os professores de um vasto reportório de ferramentas que lhes permitem envolver os alunos em tópicos e abordagens STEM, um acrónimo que tem entrado recentemente no léxico docente e que surge como uma das mais recentes trends em educação, para significar a abordagem integrada e integradora das Ciências, Tecnologia, Matemática e Engenharia.

 

Muitas vezes, o acrónimo surge ampliado pela inclusão das artes e da linguagem e comunicação, na formulação STE(A)M. Todavia, as disciplinas STEM ou STE(A)M continuam a ser ministradas e abordadas de forma isolada. Na maioria das escolas não existem aulas ou disciplinas STEM, apenas existem “aulas S” (ciência), “aulas T” (tecnologia), “aulas E” (engenharia) ou “aulas M” (matemática). Nem mesmo o termo “S” se refere apenas a uma única aula ou disciplina de Ciência. Continuamos a ter aulas de Física, aulas de Química ou aulas de Biologia, ou seja, nem mesmo o ensino de disciplinas da área das Ciências é abordado de forma integrada ou interdisciplinar. Uma outra importante ressalva prende-se com o facto de o termo “T” não implicar necessariamente o recurso à tecnologia digital, mas ter muito a beneficiar com a sua integração.

 

Apesar das mudanças legislativas mais recentes, a prática na maioria das escolas, continua a privilegiar abordagens disciplinares, onde cada área do conhecimento é abordada de forma estanque, isolada e, tantas vezes, de “costas voltadas” para as demais áreas do saber, sejam as que se referem ao acrónimo STEM ou mesmo ao STE(A)M. Tais abordagens, além de não possibilitarem uma real implementação daquilo que advoga o Decreto-Lei 55/2018, pois impedem que as mudanças legislativas nele preconizadas ao nível das abordagens interdisciplinares tardem em efetivar-se, também não permitem alcançar uma verdadeira compreensão sobre os problemas do mundo atual, que são de natureza altamente complexa e, como tal, não podem ser solucionados através do contributo de uma só disciplina ou ciência isolada.

 

Numa época em que a humanidade enfrenta problemas tão complexos, como por exemplo os que se relacionam com a emergência climática, a solução não passa apenas por uma única ciência ou pelo recurso à tecnologia de forma descontextualizada. A compreensão de conceitos complexos, como a própria natureza, o meio ambiente ou a sustentabilidade, exige o recurso a estratégias de cognição mais sistemáticas e holísticas, que subvertam as fronteiras do conhecimento tradicional. Na senda do que advoga Edgar Morin “a complexidade torna-se invisível na divisão disciplinar do real”. Assim, fazer ciência em complexidade, ainda nas palavras de Morin, não passa simplesmente por “substituir a diferença pelo holismo, numa espécie de totalitarismo epistemológico”, mas antes por agregar e integrar aquilo que o conhecimento disciplinar não consegue tratar de forma isolada.

 

Por isso, urge que as experiências e ambientes de aprendizagem que se proporcionam aos alunos permitam, cada vez mais, trabalhar e aprender ciência, matemática e as demais áreas do conhecimento, através de abordagens interdisciplinares e se promova uma educação integradora de todas as áreas do saber, uma vez que insistir na fragmentação da realidade não permite atender à complexidade dessa mesma realidade.

 

Para tal, é necessário capacitar os nossos alunos para se tornarem cada vez mais ativos e autónomos, trabalhando de forma colaborativa, umas vezes mediados pelo professor, outras pela tecnologia e muitas vezes por ambos em simultâneo.

 

A tecnologia, apesar de não poder ser encarada como uma panaceia mágica, encerra em si mesma um enorme potencial para a implementação de atividades de aprendizagem autorregulada, em que o aluno assume o seu papel de sujeito construtor do conhecimento. Também permite aos professores o acesso a uma enorme variedade de repositórios digitais ou o contacto com outros docentes, através de redes colaborativas virtuais, o que potencia o seu desenvolvimento profissional neste domínio e o acesso a práticas pedagógicas de referência. Assim, a tecnologia tem o potencial de contribuir para que alunos e professores se tornem cada vez mais competentes e autónomos, no que ao uso da tecnologia diz respeito.

 

A experiência que todos vivenciamos durante a fase ativa da pandemia COVID-19 e o esforço nacional levado a cabo no âmbito da Capacitação Digital Docente que, de acordo com os números mais recentes, já possibilitou o envolvimento de mais de 50 000 docentes em ações de formação neste âmbito, tornaram os professores e educadores mais abertos e disponíveis para o uso da tecnologia nas salas de aula. No entanto, o desafio de entrarmos efetivamente numa educação da era digital, onde a tecnologia faz parte do natural “ecossistema da sala de aula”, está, ainda, muito distante da realidade quotidiana da maioria das nossas escolas. No que à educação STEM diz respeito, mais ainda, pois subsistem muitos desafios complexos a vencer e que se situam para além da falta de infraestruturas ou de recursos físicos.

 

Se por um lado, o desenvolvimento profissional pode encorajar os professores e educadores a integrar mais a tecnologia nas suas práticas de ensino, por outro, os recursos digitais tornam-se mais eficazes quando os professores os personalizam, adaptando o respetivo conteúdo ao seu contexto e necessidades. Isto, todavia, requer, para além do reforço das competências digitais dos docentes, o necessário tempo para que possam fazer essas adaptações e a possibilidade de efetivamente colaborarem com outros, com os seus pares, para que, numa lógica de mentoria digital, possam apoiar-se nessa tarefa aqueles para quem subsistem, ainda, maiores dificuldades. Além disso, tal esforço despendido na adaptação de recursos, tornar-se-ia muito menor se dividido, por exemplo, entre docentes de um mesmo grupo disciplinar ou mesmo de vários, uma vez que se busca uma abordagem integradora das várias áreas do saber. Tal necessidade “esbarra” constantemente com lógicas de gestão de tempos e espaços onde os professores não dispõem, efetivamente, de tais oportunidades.  

 

No que há educação STEM diz respeito, uma vez que é esse o foco temático deste texto, as atividades que combinam tarefas mediadas pela tecnologia com outras realizadas com recurso a elementos ditos mais analógicos, permitem envolver os alunos em abordagens mais ricas, do que quando se recorre exclusivamente ao digital.  O recurso ao digital desbloqueia e abre novas possibilidades para a educação STEM, todavia não pode passar a ser usado em exclusivo na sala de aula. Mas, a abordagem STEM pode beneficiar largamente com a implementação de soluções digitais, como, por exemplo, tecnologias de aprendizagem adaptativas, que permitem apoiar a aprendizagem autorregulada, laboratórios online/virtuais que permitem facilitar o trabalho prático na aula ou estratégias de gamificação digitais que permitem assegurar a motivação e o envolvimento produtivo dos alunos. O acesso a aplicações estimulantes, como simulações e outros recursos dinâmicos de visualização pode transformar o ensino das disciplinas STEM.

 

As ferramentas e recursos digitais podem ajudar a assegurar práticas pedagógicas mais centradas no aluno e também mais inclusivas, adaptando as tarefas às características e necessidades de cada um. Professores e alunos podem produzir os seus próprios recursos educativos abertos em formatos digitais normalizados com ferramentas de autoria, partilhar documentação, carregar textos e vídeos, discutir ideias, partilhar problemas matemáticos e resolvê-los em equipas, e organizar conceitos científicos em mapas mentais. Também a avaliação formativa e os painéis de avaliação orientados podem ser agilizados pelo recurso à tecnologia e permitem que o professor, mais facilmente, seja capaz de monitorizar as necessidades dos alunos durante os trabalhos da turma. Podem, ainda, monitorizar e assegurar o necessário envolvimento dos alunos, quer trabalhem de forma individual ou colaborativa.

 

Para que as tecnologias digitais apoiem efetivamente a educação STEM, as abordagens pedagógicas devem ser intencionais para que possam ser significativas. Além disso, há aspetos importantes a considerar e acautelar antes de utilizar uma dada ferramenta ou recurso digital, aspetos esses que passam pelo questionamento sobre se ela serve as necessidades ou finalidades educacionais, isto é, se está assegurada a intencionalidade didática quando se opta por uma dada ferramenta ou recurso, se pode ser utilizada igualmente por utilizadores com diferentes antecedentes e níveis de competência ou se é segura em termos, por exemplo, de privacidade de dados.

 

A título de exemplo, para que se possa mais facilmente alcançar em que medida a educação STEM pode beneficiar com recurso ao digital, ficam alguns exemplos de tecnologias que podem potenciar a educação STEM:

  1. Aprendizagem móvel (mobile learning): As aplicações educacionais estão disponíveis em dispositivos móveis. Podem motivar os alunos e despertar o interesse pelas áreas STEM, a qualquer hora e em qualquer lugar. Podem ser utilizadas dentro e fora da sala de aula, incluindo em casa. Os telemóveis também podem ser utilizados como laboratórios “ambulantes” ou móveis, graças ao número de sensores que contêm e que podem ser úteis em diferentes áreas STEM. O uso destas ferramentas não dispensa o importante papel mediador do professor, demonstrando a investigação que o sucesso no seu uso depende da preparação destes e dos materiais de apoio por eles produzidos.
  2. Simulações: As simulações podem, por exemplo, mostrar fenómenos impossíveis de reproduzir na sala de aula ou que demorariam muito tempo a ocorrer. O uso de simulações no ensino STEM têm um maior impacto na capacidade de desenvolver investigação científica, no raciocínio e na compreensão de fenómenos do que o ensino sem simulações. Quando as simulações são adaptadas para o contexto dos aprendentes têm mais efeito do que quando as simulações não são modificadas.
  3. Laboratórios online/virtuais: Os laboratórios online/virtuais permitem aos alunos experimentar sem o risco de perigos encontrados num laboratório físico e podem também ser utilizados como ambiente virtual preparatório para a formação antes de realizarem trabalhos práticos reais no laboratório. Podem também dar um importante contributo para que os alunos possam realizar experiências científicas sem a necessidade de um laboratório físico, isto por exemplo, se houver falta de material ou instalações adequadas na escola. Todavia, apesar de os laboratórios online e as plataformas de simulação serem boas opções para atividades práticas, estes não devem ser usados em exclusivo, sem articulação com atividades físicas com aparato experimental real. Existem muitas soluções de baixo custo para a implementação de atividades de laboratório reais. Deve procurar-se um equilíbrio e complementaridade, até porque os modelos usados nas simulações são quase sempre modelos ideais e não modelos reais das situações físicas abordadas.
  4. Realidade virtual e aumentada. A realidade virtual (VR) é um ambiente tridimensional (3D), gerado por computador, que permite aos utilizadores vivenciar o que estão a observar de forma mais realista e ficarem imersos. O aluno pode executar ações físicas e manipular objetos virtuais. Provavelmente um dos aspetos mais importantes da RV é a capacidade de apresentar objetos que normalmente não são visuais ou tangíveis. Permite substituir ferramentas reais por ferramentas virtuais, permitindo executar tarefas que na vida real não seriam seguras. Também permite viagens e saídas de campo virtuais a destinos longínquos. Enquanto a realidade virtual engloba um ambiente gerado por computador em 3D, que pode ser explorado e com o qual o aluno pode interagir, a realidade aumentada trata de acrescentar elementos digitais a algo pré-existente. Ambas as tecnologias têm o potencial de imitar situações da vida real.
  5. Jogos e estratégias de gamificação digitais. Os jogos digitais podem contribuir para a motivação dos alunos e para o seu envolvimento produtivo. Também podem ajudar a reduzir emoções negativas, tais como a ansiedade em relação á matemática. Os professores devem escolher plataformas de jogo ajustadas aos objetivos de aprendizagem e as características dos alunos, podendo, muitas vezes optar por jogos tradicionais e analógicos se entenderem que são os mais adequados. Apesar de serem ainda necessárias mais evidências empíricas, a estratégia de gamificação é, em si mesma, mais importante do que a plataforma em que o jogo se processa.
  6. Inteligência artificial (IA) pode assumir muitas formas na educação. As tecnologias digitais de aprendizagem personalizada, também conhecidas como tecnologias de aprendizagem adaptativas, são uma aplicação popular da IA para personalizar a aprendizagem de acordo com as necessidades dos estudantes. Uma tecnologia de aprendizagem adaptativa é uma ferramenta que utiliza dados dos estudantes para personalizar o seu conteúdo ou ajustar as instruções ou o nível de dificuldade dos exercícios.

 

Apesar dos inúmeros benefícios que as ferramentas e recursos digitais podem proporcionar à educação STEM, alguns deles explorados neste texto, a investigação sugere que, na realidade, este potencial ainda não foi plenamente alcançado. Há ainda um longo caminho a percorrer, uma vez que a educação nas disciplinas das áreas STEM continua, muitas vezes a concentrar-se mais na teoria, em detrimento da exploração de situações práticas e. apesar do esforço na capacitação digital dos docentes, a integração da tecnologia no ambiente natural da sala de aula, está ainda longe de ser uma realidade nas nossas escolas.

 

Elisa Saraiva