Para grandes males, grandes remédios

Para grandes males, grandes remédios

Por: Professor José Eduardo Lemos

 

 

A partir de janeiro de 2016, as profundas e inopinadas alterações ao modelo de avaliação dos alunos, tornaram percetível que o Ministério da Educação (ME) se apresentava com uma agenda dissonante e de direção contrária ao percurso político e educativo dos 15 anos anteriores.

 

Desde então, as diferentes medidas de política educativa que o ME tem vindo a implementar, sobretudo, ao nível do currículo, da organização do ano letivo e da constituição de turmas, têm em comum a característica de exigirem cada vez mais recursos docentes. Desde a imposição da monodocência no primeiro ciclo, passando pela flexibilidade e pela revisão curricular, pelas novas regras de organização do ano letivo, pela redução do número de alunos por turma e por parte das medidas contidas no Plano 21|23 Escola +, todas tiveram como consequência, entre outras, a exigência de mais professores que aqueles que seriam necessários se não fossem aplicadas.

 

Dito de outra forma: a ação do ME no passado próximo tem revelado uma gritante incapacidade de planeamento e de previsão do futuro, como o comprova o facto de as medidas implementadas, não só não terem assegurados os recursos docentes necessários como, mais grave, alocarem os recursos existentes a projetos e atividades que, satisfazendo muitos alunos negam a outros o direito de terem professor em todas as disciplinas do currículo.

 

O Plano 21|23 Escola + é paradigmático da pressa e da falta de rumo: em 2021, já a falta de professores era gritante em várias disciplinas e regiões do país e o Governo criou um ambicioso plano nacional de recuperação das aprendizagens perdidas com a COVID-19. Este Plano exige mais professores que, já se sabe, não existem. E não tenho dúvidas que para se recuperar algumas aprendizagens perdidas – e com mais que tempo para serem recuperadas - alguns professores andarão entretidos com os “Eixos”, os “Domínios” e as “Ações específicas do plano”, enquanto alguns alunos, ali ao lado não terão professores em todas as disciplinas obrigatórias.  Hoje recuperam-se aprendizagens perdidas com a COVID; amanhã teremos de recuperar aprendizagens perdidas com a falta de professores.

 

Estes são factos objetivos e indesmentíveis, mas não é este o tempo de “chorar sobre leite derramado”.

 

Impõe-se resolver agora, de imediato, o grave problema da falta de professores, criado e aprofundado pelos sucessivos governos após 2016. Alguns especialistas e o próprio Governo no seu programa, têm apresentado várias ideias para solucionar o problema. Essas ideias, independentemente da sua bondade e exequibilidade, têm uma característica comum: apenas poderão surtir efeito a médio e longo prazo. Ou seja, trata-se de bonitas ideias para resolver o problema daqui a uns anos. Até lá, teremos em Portugal dezenas de milhar de alunos sem professor em uma ou mais disciplinas.

 

Todavia, se quisermos que no próximo ano letivo não faltem professores, é preciso agir já recorrendo, sobretudo, aos professores que se encontram no sistema. Que ninguém se iluda: não há solução que não passe por sobrecarregar com mais trabalho os que se encontram atualmente no ativo. O que é necessário é pagar-lhes justamente por esse trabalho acrescido. 

 

Ainda que temporariamente, enquanto não surgirem soluções definitivas e a título de exemplo, ajudaria à resolução do problema uma maior exigência na constituição de turmas; a supressão da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, diluindo-se as aprendizagens pelas restantes disciplinas; a supressão das duas horas semanais que se acrescentaram em 2016 para o exercício do cargo de Diretor de Turma e a reposição do número de alunos por turma que vigorava em 2016. Medidas impopulares, sem dúvida, mas necessárias para que nenhum aluno fique sem professor no próximo ano letivo.

 

E, não sendo suficientes estas medidas, poder-se-ia ainda rever em alta os rácios para desdobramento das turmas em todas as ofertas educativas e, em último caso, não se deveria hesitar em atribuir trabalho extraordinário aos professores, independentemente da redução horária de que usufruam, abrindo os “cordões à bolsa”.

 

Com estas medidas era possível mitigar o problema de forma a nenhum aluno ficasse sem professor já no próximo ano letivo. Poder-se-ia perguntar, então, porque é que não constam do programa do Governo? Porque é que os especialistas e spin doctors não as veem, nem delas falam? Simplesmente porque, para além da impopularidade, o Governo seria confrontado - e é aqui que a “porca torce o rabo” – com o facto de algumas delas tornarem evidente a falta de planeamento e os erros das políticas educativas implementadas nos últimos anos. 

 

Portanto, se o Governo tiver verdadeiro interesse em resolver o problema de dezenas de milhar de jovens que se encontram hoje sem professor, terá de, não apenas implementar medidas que, a prazo, criem melhores condições para o exercício da profissão e atraiam os jovens e aqueles que abandonaram o sistema, mas, simultaneamente, tomar outras de efeito imediato, impopulares e contrárias às políticas mais recentes.

José Eduardo Lemos

Diretor da Escola Secundária Eça de Queirós, Póvoa de Varzim