O Bem-estar dos professores na Escola – Projeto EsABE

 

 “O Bem-estar dos professores na Escola – Projeto EsABE”.

Por: Dra. Tânia Santos – Psicóloga Educacional

 

1 – Quem é a Tânia enquanto profissional?

Olá, antes de mais agradeço o convite que me endereçaram para estar aqui hoje. É um privilégio poder colaborar com o SIPE.

 

Chamo-me Tânia Santos, sou psicóloga clínica e da saúde, psicóloga educacional com especialização avançada em psicologia comunitária. E refiro, entre outras experiências profissionais, estes dados curriculares por acreditar que as diferentes áreas profissionais e desafios/experiências em contexto escolar, contribuíram fulcralmente para a visão que construí, interiorizei e hoje aqui irei partilhar. Atualmente trabalho a tempo inteiro num Agrupamento de Escolas em complemento com o exercício de clínica privada e alguns momentos de formação.

 

Agradeço antes de mais a todos os que estão desse lado, a escutar, pois acredito que o mais importante vocês já reuniram, a disponibilidade para a reflexão e nessa sequência, quem sabe para a mudança.

 

2 - Sabemos que és a responsáveis pela implementação e coordenação do projeto do EsABE (Ecossistemas de Aprendizagem e Bem-estar). Como surgiu o e em que consiste esse projeto?

O Ecossistemas de Aprendizagens e Bem-Estar é um projeto que surge na plenitude da palavra. Como assim? Perguntarão vocês. Surge da leitura do terreno, da vivência sentida e escutada do dia a dia dos professores e todos os profissionais que habituam e atuam na escola.

 

Eu especifico: a sociedade é acelerada, a inteligência artificial está no seu auge, os alunos são cada vez mais “desligados” e as famílias assumem tendencialmente a polaridade ora de desresponsabilização, ora de cobrança à escola e, sobretudo, aos docentes. Falo na generalidade claro.

 

Acresce a tudo isto as questões tão atuais da idade, da carreira, das avaliações e dos currículos. Essas que vocês tanto sentem e também conhecem.

 

Ora, lendo esta realidade nas nossas escolas, fazia todo o sentido entender a docência enquanto profissão de desgaste emocional, de stress. Digo entender mas poderia dizer escutar, pois foi a partir da escuta ativa aos docentes e das suas necessidades que surge o projeto – a procura de respostas às necessidades especificas de um contexto. Nessa sequência, e enquanto prevenção e combate ao stress e fatores que o despoletam, procurei traçar algumas atividades, algumas ações promotoras de bem-estar. Aqui, claramente, as sugestões e a proximidade com os professores foram fundamentais na definição, na envolvência, e na predição de sucesso.

 

Foi nesta fase que surgiu o desafio do Ministério do EsABE que só veio reforçar e conferir mais intencionalidade às práticas já decorridas. Também contribuiu claro para acrescentar outras.

 

Em suma eu diria que o EsABE surge da escuta, da necessidade de prevenção, da aceitação de sugestões e da abertura de uma comunidade escolar, incluindo e partindo também muito da Direção.

 

3 – Que objetivos tem este projeto?

Numa palavra: reequilibrar.

Se pensarmos no nosso dia a dia representado numa balança teremos uma visão mais clara das nossas necessidades e em consequência dos nossos objetivos.

 

Pensar na escola ou entrar na escola está associado a um “tenho de”, Tenho de isto, tenho de aquilo… devia ter feito isto, devia ter feito aquilo… Colocamos sobre nós um foco em todos os deveres e exigências e acabamos por viver a vida escolar em torno do negativo, mesmo não querendo. Muitas vezes já está automatizado e inconsciente.

 

E em que prioridade colocamos o outro lado? Da emoção positiva, do investimento em nós, nos outros e na rede de suporte? Queixamo-nos que não temos tempo e quando temos tempo gastamo-lo a queixar-nos. Pescadinha de rabo na boca!

 

O objetivo é reequilibrar esta tendência, criar a oportunidade de experiências, vivências e emoções mais positivas no próprio local de trabalho. Prevenir o Burnout e potenciar o bem-estar e a saúde mental.

 

4 - Que atividades são desenvolvidas?

As atividades vão sendo ajustadas, em torno da disponibilidade, das necessidades e do feedback da sua aplicação. Neste momento tornou-se prática a receção ao professor enquanto atividade de acolhimento, algumas atividades de team building que variam na sua operacionalização e timing do ano, a atividade de final de ano, o “time to relax” onde os professores podem usufruir de momentos mindfulness ou de massagens, o “time do prof” enquanto momento de consultoria e escuta ativa ou delimitação de estratégias específicas para lidar com comportamentos e emoções, o Dia dos Sorrisos enquanto momento de fomentação de diversão, a realização de convívios e almoços partilhados, ou o “apanhado com mimos” que procura felicitar as pessoas nos momentos bons como por exemplo o aniversário.

 

Procurou-se ao longo do tempo e, procura-se ainda hoje em cada uma das atividades envolver de forma mais direta um ou dois professores/assistentes, tonando-o parte ativa e integrante do projeto.

 

Ainda que muitas destas atividades tenham a coordenação do projeto enquanto catalisador, elas acabam por ser apropriadas pela escola e, nesse sentido, assumidas, muitas vezes, enquanto atividades de Agrupamento. E quando assim é, é o melhor sinal que se pode ter: quando deixam de ser atividades da psicóloga e passam a ser atividades de equipas de trabalho definidas, isto é, quando deixa de ser o Eu e passa a ser o Nosso.

 

O sentido nunca será replicar, na minha opinião. O desafio será cada um pensar: O que gostaria se fazer na Escola para ter um dia/um momento mais leve, mais harmonioso ou mais feliz? E, por favor, não comecem já com o foco nos entraves. Nunca começamos com o plano perfeito! Mesmo que não comecem com a escola, podemos começar por pensar “quem serão os colegas loucamente leves ou saudáveis que alinhariam nesta atividade comigo?” Comecem por aí.

 

5 - Na tua opinião qual a importância do Bem-estar dos professores no desempenho da sua profissão?

Toda a importância!

Teoricamente, mas também empiricamente, o aumentado bem-estar traduz-se em: reduzido risco de stress e burnout, maior saúde, maior e mais motivada envolvência na preparação e dinamização das aulas/atividades, maior compreensão do aluno, maior disponibilidade para a relação do aluno e para ação diferenciada, melhoria da produtividade com menor esforço, aumento da motivação, aumento da felicidade, aumento das relações de suporte e de cooperação na escola… poderia continuar as referências, mas colmato nas repercussões diretas no sucesso dos alunos. Sim, mesmo sem trabalhar os alunos, aumentado o bem estar dos docentes, verifica-se uma melhoria do sucesso dos alunos.

 

Em suma o professor vive com mais saúde, com maior leveza e maior envolvimento profissional, num esforço significativamente menor e com mais resultados.

 

6 - Com todas as situações existentes no nosso dia a dia e com os inúmeros documentos que a tutela nos exige pode haver Bem-estar nos professores? Que pensas disto....

Estamos a investir tempo, não a gastar tempo! É preciso ganhar consciência destes factos. Uma atividade agradável na escola é tão importante como a mais importante reunião! Não vamos por isso acabar com as reuniões, mas poderemos incluir um convívio enquanto fator de igual importância. A questão é: Onde investes o teu tempo? E com que foco?

 

Por outras palavras, e numa comparação fora da caixa, se eu quero um resultado positivo, como posso obtê-lo a juntar consecutivamente um conjunto de coisas negativas?? Ou pensamentos negativos?

 

É preciso parar para refletir e ganhar consciência sobre estas questões, com urgência. Na escola sim como um todo, mas no dia a dia de cada um de nós! Onde está na tua agenda o tempo de qualidade? E, por favor, não me digam que está sempre fora da escola pois é na escola que vivemos muitos momentos desafiantes e, por isso, também na escola que precisamos investir para os reequilibrar. Olhem a vossa balança: O que fazem no intervalo? Que temas abordam? Com que pessoas o passam?... dá que pensar não dá?... Onde está o vosso foco? Tantas vezes, as somar coisas más ao que está negativo.

 

A burocracia não muda, infelizmente… Mas se eu tiver uma rede de suporte e confiança onde haja colaboração e cooperação, conseguirei mais ou menos trabalho? Com mais ou menos esforço?

 

Há melhorias desejadas sabemos, mas também há formas de encarar e lidar com os desafios. Se não posso mudar algo, muitas vezes é um não assunto. Então porque gasto o meu tempo e desgasto a minha emoção em torno do que me transcende. Eu sei não é um exercício fácil ou uma postura natural, mas é um caminho possível. E investir no bem-estar como qualquer outra mudança, também nos exige, numa fase inicial algum esforço. Mas em esforço estamos nós tantas vezes… então porque não, fazer, desta vez, um esforço por nós próprios? Fica o desafio!

 

7 – Quais os fatores que consideras mais importantes do projeto? É possível relacioná-lo com o dia a dia dos professores de forma a melhorar o Bem-estar dos professores e da comunidade educativa? 

Há variados fatores que contribuem para a criação e implementação do sucesso e, aliados a eles, pontos de sucesso e de desafios. Um projeto como este poderá ter uma base que se torne em programa, algumas linhas e princípios que possa ser replicáveis. Mas enquanto projeto as ações que o compõe terão de ser sempre delimitadas em função do contexto específico.

 

Assim, o primeiro fator é a escuta. Escutar as pessoas e sentir as necessidades é primordial. O que é que preciso para aumentar o meu bem-estar, para promover a minha saúde, para me reequilibrar? Na nossa escola isto foi feito com um mural com mais de 2 mil postit no ano de 2017.

Daqui advém outro fator e outras questões. Todos queremos melhores momentos, mas na altura em que a escola os proporciona, muitas vezes, evitamos a participação “eu quero é sair da escola!”. Esta nossa forma inconsciente de funcionamento gera um desafio – precisamos reequilibrar as emoções, acrescentar momentos bons no local de trabalho, mas muitas vezes escolhemos viver só os momentos maus, porque nos bons vamos embora. Este é muitas vezes o fator crítico! E como se contorna perguntarão vocês? Com parcerias, com a envolvência de alguns professores chave, na esperança e no investimento da sua propagação. Como costumo dizer em tom de brincadeira “procuro sempre envolver alguém que seja como eu, saudavelmente louco!” Quero com isto dizer, alguém que acredite que é possível criar bons momentos, desfrutar deles e ter uma certa ousadia para se divertir no trabalho. Uso muitas vezes a frase “vamo-nos dar ao luxo de esquecer o trabalho dentro do próprio trabalho!”

 

Depois vem a propagação e aqui é preciso calma e persistência. Disseminar não é uma tarefa rápida. Há que atender que, estamos todos cansados e, pedir um esforço adicional, mesmo que seja para mudar para melhor, é pedir um esforço. Aceitar que nem todos estamos disposto a investir energia numa mudança para melhor. Aqui volto a enaltecer que este processo é algo inconsciente e sádico. Estou cansado porque estou em stress mas evito cansar-me para sair do stress. Este investimento não se pode cobrar, por isso há que ir com calma, com o exemplo com alguma persistência sem imposição. Passo a passo, com serenidade.

 

Conseguindo estes três fatores, escuta, envolvimento e participação numa zona de algum desconforto gerado pela mudança, são a chave. Mas esta é uma perspetiva muito pessoal. Por isso deixo a reflexão Se ficas na escola para trabalhar, porque não ficar na escola para te divertir um pouco? Quem disse que um local de trabalho para ser sério não pode ter momentos bons e divertidos? Aqui a minha inspiração vem muito das grandes empresas, especialmente as da área da informática. Usem o lema “um pouco de diversão, porque não?”

 

8 - Gostarias de dirigir algumas palavras e “animo” a todos os professores?

Desafios todos temos, todos teremos. São inevitáveis. Muitos, vale a pensa investir, lutar, mudar melhorar. Outros, bem outros será uma atitude de auto-cuidado ter consciência de que não estão ao nosso alcance e, portanto, toda a energia investida será em vão. Escolhe bem as tuas batalhas e lembra-te de que muitas, só serão vencidas em conjunto. É possível criar um clima de aumentado bem-estar nas escolas, mas para isso, é preciso por nesse clima a nossa intenção. É preciso que eu pense tanto nas coisas boas do meu dia quanto, às vezes, invisto a pensar nas más. Porque é que às vezes fico a remoer assuntos maus durante tanto tampo? E porque é que às vezes me esqueço de registar com intencionalidade em memórias as coisas boas do meu dia? Será que nesse momento eu penso nas estratégias usadas? Será que estamos a ser invadidos com as ideias de perfeição dos média, das redes sociais e da inteligência artificial ou, será que ainda investimos tempo a viver e valorizar o nosso lado humano?

Criar um clima de bem-estar é elogiar, elogiar-me, é agradecer e agradecer-me. Começar por estes gestos simples tantas vezes cheios de tanto, é o primeiro passo para o teu bem-estar.

 

As etapas passam, as fases são percorridas e… tu consegues! Respira, passo a passo, e festeja cada pequena conquista pois é disso que somos feitos! Tu consegues e, para isso, não tens de mudar a realidade, às vezes basta mudares o foco. Qual é o teu foco? Qual o foco que te impões? E na tua escola e na tua vida, qual é o foco que propagas? Tu és possível e nunca te esqueças disso!

Tânia Santos