Diário de 1 confinamento (+1)

Diário de 1 confinamento (+1)

Por: Dra Clara Paredes de Castro

 

 

 

 

Diário de 1 confinamento (+1)

Toca o relógio de mais um desses dias, os tais… de confinamento!
Abro a janela só para deixar entrar um pouco de mundo e arejar o quarto e fico a olhar o tempo e a pensar naqueles dias em que tinha de decidir se usava as botas pretas com a saia verde plissada por estar de chuva ou se estava sol e finalmente ia usar os mocassins que ficam um show com as calças vincadas rosa velho. Na verdade, estou mesmo é a precisar de fatos de treino, ou calças de malha, daquelas que não apertam a cinta quando estamos horas ao computador e são escurinhas suficiente para poder ir levar o lixo lá abaixo, com a sensação de não parecer que estou de pijama. E este cabelo? O que me vale é que a câmara do computador não tem grande definição! Vou passar um estilo blasé de quem não põe uma prancha nestes fios de cabelo para lá de 40 dias e finalmente vou assumir um estilo Tina Turner, escondido desde os saudosos anos 80!! Já passou um quarto de hora e tenho de me despachar. São poucos minutos antes do rebuliço matinal… tenho os miúdos para acordar, mas vou já ligar o computador para ficar ali a marinar nas atualizações. E pronto! O puto acorda e tem logo fome e a adolescente atira o cabelo pró lado da almofada como quem diz… “desaparece com esta brisa”. Vou para a casa de banho, preciso de silêncio outra vez.

- “Mãe!!!!”

- “Já vou!!”

Irrita-me ter de responder! Sim porque quando chamo para virem para a mesa, parece uma noite de verão… silêncio…. e lá vou eu ainda de colher de pau em riste, com a mão na cinta, a entrar pela sala dentro com os olhos esbugalhados e a questionar… “não ouviram??”

– “Calma mãe… não te enerves… já vamos!”

Ahhhh mas se forem eles a pronunciar as três letrinhas apenas, mais de vinte vezes ao dia, a resposta tem de ser instantânea, tipo enter do computador, para evitar um tão sucedâneo e ainda mais incrivelmente irritante “Óoooo mãeeeeee”, bem pior que o primeiro!

Tudo comido… a louça do pequeno almoço vai ter de esperar. Eu preciso de 5 minutos para um café. Saudades do barulho do Sr. José a bater o manipulo para tirar as borras e me servir aquele cafezinho ao balcão antes de eu entrar para o carro e fazer os 50 km até à escola… Mas este caseirinho vai ter de servir…. e cheira tão bem!

- “Mãe!!!”

- “Já vou!!!”… Raios quem nem a tomar café?? “Veste-te rapaz e abre o portátil que a tua aula deve estar a começar”

Aiii o café… rodo a chávena para apanhar aquela espuminha de lado a tentar que aquele shot perdure só mais uns minutos antes que alguém….

- “Mãe!!”

- “Já vou!... Ó filha, a camisola está na máquina de lavar. Usa outra! Que interessa que essa fica melhor com as calças… (Hellooo! Desde quando as calças aparecem na janela do zoom?!)

Chávena para a máquina de lavar… e ainda tinha espuma… que nervos! Coragem. Vai começar! Ligo o computador e olho para o meu horário. Saudades de me irritar por nunca ter onde estacionar em frente à escola… Saudades de andar a correr com a mala cheia de testes em dias de chuva para me abrigar no coberto… Saudades de entrar numa sala de aula com os decibéis parecidos com a bolsa de Nova Iorque.

- “Bom dia meninos.”

Só que não! Desculpem... eu vou banir as palavras “síncrona” e “assíncrona” do meu dicionário! Sorrio… são bons miúdos! Eu é que estou cansada. Passou meia hora. Ativei e desativei o som trinta vezes, cinco alunos caíram e entraram novamente ao ritmo do hip hop, sei de cor o rabo dos gatos de pelo menos dois dos meus alunos e há um que tem um irmão que aparece no canto inferior esquerdo a fazer “Éhhh Éhhh” e lá sai o catraio…

Entreguei os trabalhos, agendei tarefas, sorri, gritei ou melhor falei alto. Eu não grito! Ouvi um pai lá do fundo a resmungar um “chiça!” É para mim? O meu filho grita “mãe, a minha aula já acabou”… E agora? Chiça!! “A tua irmã que te ajude que a mãe já vai”… ou não! Tenho 10 minutos para entrar noutra. Preciso de ir à casa de banho. Tenho saudades dos livros de ponto. Vou atar o cabelo. Ninguém aguenta este look… sai fora do ecrã. Fica estranho.

- “Filha ajuda por favor o teu irmão que acabou a aula dele”… silêncio… daqueles, os de adolescente, os silêncios do revirar de olhos!

- “O que vamos almoçar mãe?”

Almoçar? Como assim. Tenho aulas até as 13h10! Micro-ondas. Plim….

Tudo comido. A louça vai ter de esperar! Sento-me. Preciso mesmo de mais calças de fato treino… comi demais e estas apertam-me a barriga. Deixa-me ver se descubro aquela aula de yoga que me enviaram por whats up… tenho de experimentar! Olha… está a falar o Marcelo.  Prepara-se o fim do confinamento e eu ouço estas palavras como uma melodia que me chega aos ouvidos. Tenho de ir. Mais um shot de café. Mas agora aproveitei a espuminha toda!

- “Boa tarde meninos.”

Descobri que ainda gosto de ser professora. Apesar de tudo. Acima de tudo! E são bons meninos. Mas estou cansada. Fim de tarde.. finalmente!

- “Mãe, o que vamos jantar?”

Jantar? Como assim? E a aula de yoga ou o treino Hiit de 20 minutos que a colega de Educação Física me enviou? Pratos na mesa. Tudo comido. Louça para a máquina… já não cabe! Vou lavar a panela à mão… Preciso de arranjar estas unhas… e silêncio… Preciso de silêncio. Já sei!! Vou à casa de banho. Agendo o relógio… Amanhã é mais um dia. Dos tais. Do confinamento. E rezo para mim em jeito de oração… “Confia. É lento… mas está quase quase a terminar”.

Clara Paredes Castro